Estar sozinha: ora um temor, ora uma dádiva.
Sempre foi assim que eu encarei os meus momentos de solidão. É bem verdade que depois que me mudei para São Paulo, esse sentimento tem sido uma constante na minha vida e chega ser engraçado se sentir sozinha em uma cidade de mais de 12 milhões de habitantes.
Mas sabe? Não é tão ruim como parece.
No ínicio era bem ruim sim. Me sentia muito pequena diante dessa cidade enorme e fria. Muitas vezes duvidei de que deveria estar mesmo aqui, longe da família, aguentando xenofobia de paulistano e me sentindo muito, muito sozinha. Com o tempo, a família que tenho aqui, a adoção do meu vira lata Carlitos e os amigos que fiz diminuíram e muito esse sentimento, e posso dizer que eu passei a enxergar a solidão com um certo carinho.
Ter meu canto, a liberdade de fazer o que eu bem entendia com a minha vida e passar bastante tempo na minha própria companhia, me fizeram descobrir coisas sobre mim que eu não sabia. E a bem da verdade, isso foi muito bom. Aquela história de que morar sozinha te fazem crescer, criar responsabilidades e habilidades é real, mas não é só isso. Estar sozinha é tirar uma coragem de dentro, colocar a cara no mundo e receber o que ele tem a te oferecer. É ter a certeza de que você está por si mesma no caminho, e por mais que na maioria das vezes seja bem difícil essa caminhada, ela tem sido linda meus amores.
Nessa de me bastar e curtir a minha própria companhia (e também por que eu não tinha muita escolha) eu fiz a minha primeira viagem sozinha. A princípio era uma viagem a trabalho que iria cair no feriado de Proclamação da República. E para não acabar perdendo a emenda do feriado com o final de semana, resolvi estender a estadia por conta própria, no Rio de Janeiro. Passadas as responsabilidades com o trabalho, eu fui para o apartamento em que eu havia alugado um quarto, em Ipanema. Não havia feito um planejamento do que fazer ou onde ir, porque a ideia não era ser turista, além do mais eu já conhecia quase todos os lugares de cartão postal em outras passagens pelo Rio.
Eu queria era descansar e curtir praia. E foi apenas o que eu fiz no meu primeiro dia. Me entreguei a total preguiça de me estender sobre a canga em frente ao mar. Mesmo com o tempo nublado e levemente chuvoso, eu permaneci ali ouvindo o barulho das ondas, tomando uma cerveja, lendo um livro, agarrada na minha bolsa de praia com medo de ser assaltada (que apesar de não ter nada de valor material, tinha de sentimental), recusando chá mate e biscoito globo, de 15 em 15 minutos. Pela primeira vez na vida não me preocupei em ser a gordinha na praia, com meu biquine de bolinhas. As pessoas não me conheciam e isso de certa forma me blindava dos possíveis julgamentos ao meu corpo. Pensei na vida, nas coisas que já vivi, nas coisas que queria viver. Desejei sim que pessoas estivessem ali comigo, então eu mandei umas mensagens no celular. Me senti em paz por um tempo e depois com fome.
Sai andando por Ipanema para procurar um lugarzinho gostoso para comer. Encontrei um restaurante charmosinho com um nome francês. Me sentei meio envergonhada por estar praticamente coberta de areia, pedi um risoto e um drinque, que eu não sabia exatamente o que era, mas eu achei o nome engraçadinho. Então perguntei à garçonete onde era o toilete e levantei na direção apontada.
Ao retornar, me sentindo até mais magra, com 5kg de areia a menos, vi que um homem super bem vestido, lindo, dos olhos mais claros que eu já tinha visto, tinha sentado na minha mesa, no meu lugar. Como boa trouxa que sou, ao invés de lhe informar do seu equívoco, eu só me sentei na mesa ao lado. Em seguida, chega um outro homem bem menos bonito, e se senta de frente pra ele. Os dois se cumprimentam em francês. Deduzi assim, que um deles, ou os dois pudessem ser os donos do local, pela familiaridade com que acenavam para algumas pessoas ali. Enquanto eu os observava conversando em um francês perfeito, me senti como se estivesse assistindo um filme da Nouvelle Vague. A garçonete se aproxima da mesa em que eu estava sentada e pergunta se eu não me incomodava de ter mudado de mesa e se eu gostaria que ela intervisse e pedisse a minha mesa de volta. Eu disse que não, que estava tudo bem.
Quando meu drinque chegou eu fiquei bebericando e fingindo ler meu livro, enquanto na verdade eu prestava atenção à conversa dos dois. Eu fiquei imaginando o que eles estariam conversando, e quis por em prática os seis meses que fiz de aulas de língua francesa. Por mais que eu não estivesse entendendo tudo, eu estava me deliciando com aquela pronúncia, acho lindo de morrer falar francês. Fiquei meio decepcionada quando consegui entender algumas palavras e descobri que a conversa não era nada demais: o homem bonito, contava ao não tão bonito, em que mercado comprava o seus queijos.
No dia seguinte, como o sol não ajudou muito com a questão praia, resolvi fazer alguns programas de turista: fui ao Saara, comprar coisas que eu não preciso e nem teria como carregar em uma mala de mão pequena, e fui também ao Museu do Amanhã, ao qual recomendo muitíssimo, como forma de reflexão no futuro da humanidade e do planeta. As instalações permanentes nos levam a pensar em quem somos, no que consumimos e como consumimos e o impacto disso nos nossos amanhãs, de forma interativa e poética.
Jantei em uma cantina italiana próximo ao apartamento em que estava hospedada e pedi um vinho frizante. Com a coragem que ele me deu, fiquei ali imaginando se eu deveria sair da minha bolha e me permitir ir a algum barzinho, tentar fazer o que os jovens fazem: interagir com outros jovens e quem sabe me divertir, mesmo sabendo que eu poderia ser julgada por estar em um bar sozinha. Meio receosa fui.
O bar era de frente à praia, tinha um som ao vivo, que foi o cover mais mal pago da minha vida e o local estava para lá de vazio para um final de semana do feriado, o que estava me fazendo de certa forma, me sentir incomodada de estar ali. Mais duas taças de vinho depois, observando a orla em frente, vi que estava até movimentado pelo horário. Pessoas correndo, passeando com seus cachorros, tinha um carro de polícia próximo, com dois guardas, então como estava uma noite gostosa, achei que pudesse ser uma boa ideia dar uma caminhada pela orla, antes de voltar para o apê.
Andando na orla, vi algumas pessoas na praia, se aproximando do mar, algumas sentadas na areia, outras pulavam ondinha como se fosse ano novo. Então pensei com meus botões e com minhas três taças de vinho na cabeça: seria uma boa ideia molhar os pés na água? Quando percebi tinha tirado as sandálias e segurando-as em uma das mãos, ia saltitante pela areia em direção à água. Me empolguei molhando os pés e sentindo aquela água gelada subir até as panturrilhas, e quando menos esperava, uma das sandálias que eu segurava passava na minha frente, sendo levada pelas ondas. Ainda corri na tentativa de salvá-la, mas meus reflexos que não era dos melhores, me faziam parecer um pouco ridícula naquele resgate. Aí, eu desisti e deixei ela ir, como uma oferenda.
Me sentindo meio derrotada (e alcoolizada) e como já era quase meia noite, pareceu lógico no momento voltar para o apartamento, mas não sem antes colocar a sandália que me restava no pé. Foi apenas uma quadra, mas foi a caminhada mais longa que eu já fiz. Eu ria sozinha, enquanto eu pensava: porque mesmo eu não joguei o outro pé da sandália no mar? Estava decidida: no dia seguinte cedo, antes de ir embora, eu levaria o outro pé para Iemanjá.