sábado, 24 de outubro de 2020

Carlitos


Muita gente me pergunta como eu encontrei Carlitos nessa vida e eu sempre respondo que foi ele quem me encontrou. Se é que ainda interessa a alguém, vou contar como foi.

Há 5 anos atrás, eu passava por um dos piores momentos da minha vida, minha mãe foi levada por um câncer severo, depois de apenas 4 meses da descoberta da doença. Com 1 mês depois do falecimento dela, eu me mudava para São Paulo a trabalho. Muitos encararam minha escolha como coragem, outros como fuga, eu encarava como um sonho antigo que se realizava em um momento estranho e um pouco das duas alternativas anteriores. Quando cheguei aqui, não era nem de perto o que eu imaginava, apesar do apoio dos meus familiares próximos em São Paulo e de umas poucas amizades que fiz, era bastante difícil. Era uma cidade fria e distante de tudo que eu imaginava, eu me via sozinha, e me perguntava se estava fazendo a coisa certa, mas sempre me convencia que sim, que eu só estava abalada pela falta da minha mãe e dos meus irmãos. 

Feita essa introdução, só para explicar o contexto, em um dia, eu visitava minha madrinha aqui em São Paulo, e ela me convenceu a ir com ela a uma loja de produtos para pet, dessas enormes, com mil coisas, que nem existe em Goiás (ou pelo menos não existia na época). A menina do interior em mim ficou louca com uma coisas dessas, já era um evento por si só.

Lá acontecia uma feira de adoção, com vários filhotinhos, apesar de morrer de amores pelos filhotes eu estava decidida a não adotar, afinal de contas eu tinha um apartamento alugado novo, com um sofá novo e coisas novas, e todos nos sabemos do que um filhote com dentes crescendo é capaz. 

De repente eu vejo no fundo do cômodo, um cachorro lindo, de pelagem branca, porte médio, parecia um lobinho, preso em uma gaiola, me olhando com doçura. Aqueles olhos...eles me impressionam até hoje. Perguntei à moça da ONG, por que ele estava preso. Ela me disse que ele era deficiente e que estava na gaiola porque ficava nervoso com os filhotes querendo brincar. Disse que ele já tinha dois anos e que havia sido atropelado, deixado a sua própria sorte quando a ONG o resgatou. Me alertou que ele mancava, mas andava e levava uma vida normal. Vendo meu encantamento por ele, ela perguntou se eu queria que o soltasse e eu respondi que sim. 

Assim que ele foi solto, algo mágico aconteceu, diante de tantas pessoas que estavam ali, que ele poderia querer interagir, ele veio “mancando” direto para mim. Foi amor à primeira vista ele me olhava como quem dizia “estava esperando por você”. E desde aquele momento ele sabia que eu era a dona dele. 

Eu o adotei claro, mesmo com dor no coração de pensar que ele pudesse ficar sozinho no apê, durante o dia. Isso até hoje me consome um pouco, o fato de ele ficar muito tempo em casa sozinho, mas quando eu chego do trabalho é sempre muito maravilhoso. Ele me recebe com tanto amor, que qualquer coisa menor não importa, transformando todo o meu dia. Somos eu e ele. E aqueles olhinhos que dizem tanto, me dizem que tudo vai ficar bem.

Ele me ajudou a passar por vários momentos, os difíceis e sobretudo os felizes. Ele é minha sorte, minha riqueza, minha benção e dele tenho o amor mais puro e sincero que existe. E eu só resolvi contar tudo isso, por nenhum motivo específico, só por ter me sentido muito grata pela vidinha dele hoje.

Quem puder adotar, adote! No fim nós é quem somos resgatados...

domingo, 25 de novembro de 2018

Cinderela goiana.



Estar sozinha: ora um temor, ora uma dádiva.

Sempre foi assim que eu encarei os meus momentos de solidão. É bem verdade que depois que me mudei para São Paulo, esse sentimento tem sido uma constante na minha vida e chega ser engraçado se sentir sozinha em uma cidade de mais de 12 milhões de habitantes.

Mas sabe? Não é tão ruim como parece.

No ínicio era bem ruim sim. Me sentia muito pequena diante dessa cidade enorme e fria. Muitas vezes duvidei de que deveria estar mesmo aqui, longe da família, aguentando xenofobia de paulistano e me sentindo muito, muito sozinha. Com o tempo, a família que tenho aqui, a adoção do meu vira lata Carlitos e os amigos que fiz diminuíram e muito esse sentimento, e posso dizer que eu passei a enxergar a solidão com um certo carinho.

Ter meu canto, a liberdade de fazer o que eu bem entendia com a minha vida e passar bastante tempo na minha própria companhia, me fizeram descobrir coisas sobre mim que eu não sabia. E a bem da verdade, isso foi muito bom. Aquela história de que morar sozinha te fazem crescer, criar responsabilidades e habilidades é real, mas não é só isso. Estar sozinha é tirar uma coragem de dentro, colocar a cara no mundo e receber o que ele tem a te oferecer. É ter a certeza de que você está por si mesma no caminho, e por mais que na maioria das vezes seja bem difícil essa caminhada, ela tem sido linda meus amores.

Nessa de me bastar e curtir a minha própria companhia (e também por que eu não tinha muita escolha) eu fiz a minha primeira viagem sozinha. A princípio era uma viagem a trabalho que iria cair no feriado de Proclamação da República. E para não acabar perdendo a emenda do feriado com o final de semana, resolvi estender a estadia por conta própria, no Rio de Janeiro. Passadas as responsabilidades com o trabalho, eu fui para o apartamento em que eu havia alugado um quarto, em Ipanema. Não havia feito um planejamento do que fazer ou onde ir, porque a ideia não era ser turista, além do mais eu já conhecia quase todos os lugares de cartão postal em outras passagens pelo Rio.

Eu queria era descansar e curtir praia. E foi apenas o que eu fiz no meu primeiro dia. Me entreguei a total preguiça de me estender sobre a canga em frente ao mar. Mesmo com o tempo nublado e levemente chuvoso, eu permaneci ali ouvindo o barulho das ondas, tomando uma cerveja, lendo um livro, agarrada na minha bolsa de praia com medo de ser assaltada (que apesar de não ter nada de valor material, tinha de sentimental), recusando chá mate e biscoito globo, de 15 em 15 minutos. Pela primeira vez na vida não me preocupei em ser a gordinha na praia, com meu biquine de bolinhas. As pessoas não me conheciam e isso de certa forma me blindava dos possíveis julgamentos ao meu corpo. Pensei na vida, nas coisas que já vivi, nas coisas que queria viver. Desejei sim que pessoas estivessem ali comigo, então eu mandei umas mensagens no celular. Me senti em paz por um tempo e depois com fome.

Sai andando por Ipanema para procurar um lugarzinho gostoso para comer. Encontrei um restaurante charmosinho com um nome francês. Me sentei meio envergonhada por estar praticamente coberta de areia, pedi um risoto e um drinque, que eu não sabia exatamente o que era, mas eu achei o nome engraçadinho. Então perguntei à garçonete onde era o toilete e levantei na direção apontada.

Ao retornar, me sentindo até mais magra, com 5kg de areia a menos, vi que um homem super bem vestido, lindo, dos olhos mais claros que eu já tinha visto, tinha sentado na minha mesa, no meu lugar. Como boa trouxa que sou, ao invés de lhe informar do seu equívoco, eu só me sentei na mesa ao lado. Em seguida, chega um outro homem bem menos bonito, e se senta de frente pra ele. Os dois se cumprimentam em francês. Deduzi assim, que um deles, ou os dois pudessem ser os donos do local, pela familiaridade com que acenavam para algumas pessoas ali. Enquanto eu os observava conversando em um francês perfeito, me senti como se estivesse assistindo um filme da Nouvelle Vague. A garçonete se aproxima da mesa em que eu estava sentada e pergunta se eu não me incomodava de ter mudado de mesa e se eu gostaria que ela intervisse e pedisse a minha mesa de volta. Eu disse que não, que estava tudo bem.

Quando meu drinque chegou eu fiquei bebericando e fingindo ler meu livro, enquanto na verdade eu prestava atenção à conversa dos dois. Eu fiquei imaginando o que eles estariam conversando, e quis por em prática os seis meses que fiz de aulas de língua francesa. Por mais que eu não estivesse entendendo tudo, eu estava me deliciando com aquela pronúncia, acho lindo de morrer falar francês. Fiquei meio decepcionada quando consegui entender algumas palavras e descobri que a conversa não era nada demais: o homem bonito, contava ao não tão bonito, em que mercado comprava o seus queijos.

No dia seguinte, como o sol não ajudou muito com a questão praia, resolvi fazer alguns programas de turista: fui ao Saara, comprar coisas que eu não preciso e nem teria como carregar em uma mala de mão pequena, e fui também ao Museu do Amanhã, ao qual recomendo muitíssimo, como forma de reflexão no futuro da humanidade e do planeta. As instalações permanentes nos levam a pensar em quem somos, no que consumimos e como consumimos e o impacto disso nos nossos amanhãs, de forma interativa e poética.

Jantei em uma cantina italiana próximo ao apartamento em que estava hospedada e pedi um vinho frizante. Com a coragem que ele me deu, fiquei ali imaginando se eu deveria sair da minha bolha e me permitir ir a algum barzinho, tentar fazer o que os jovens fazem: interagir com outros jovens e quem sabe me divertir, mesmo sabendo que eu poderia ser julgada por estar em um bar sozinha. Meio receosa fui.

O bar era de frente à praia, tinha um som ao vivo, que foi o cover mais mal pago da minha vida e o local estava para lá de vazio para um final de semana do feriado, o que estava me fazendo de certa forma, me sentir incomodada de estar ali. Mais duas taças de vinho depois, observando a orla em frente, vi que estava até movimentado pelo horário. Pessoas correndo, passeando com seus cachorros, tinha um carro de polícia próximo, com dois guardas, então como estava uma noite gostosa, achei que pudesse ser uma boa ideia dar uma caminhada pela orla, antes de voltar para o apê.

Andando na orla, vi algumas pessoas na praia, se aproximando do mar, algumas sentadas na areia, outras pulavam ondinha como se fosse ano novo. Então pensei com meus botões e com minhas três taças de vinho na cabeça: seria uma boa ideia molhar os pés na água? Quando percebi tinha tirado as sandálias e segurando-as em uma das mãos, ia saltitante pela areia em direção à água. Me empolguei molhando os pés e sentindo aquela água gelada subir até as panturrilhas, e quando menos esperava, uma das sandálias que eu segurava passava na minha frente, sendo levada pelas ondas. Ainda corri na tentativa de salvá-la, mas meus reflexos que não era dos melhores, me faziam parecer um pouco ridícula naquele resgate. Aí, eu desisti e deixei ela ir, como uma oferenda.

Me sentindo meio derrotada (e alcoolizada) e como já era quase meia noite, pareceu lógico no momento voltar para o apartamento, mas não sem antes colocar a sandália que me restava no pé. Foi apenas uma quadra, mas foi a caminhada mais longa que eu já fiz. Eu ria sozinha, enquanto eu pensava: porque mesmo eu não joguei o outro pé da sandália no mar? Estava decidida: no dia seguinte cedo, antes de ir embora, eu levaria o outro pé para Iemanjá.


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Vovó Cleusa

Bolacha de água e sal com leite condensado. Cheiro de bolo fresquinho. Suco de acerola, da aceroleira do quintal que vivia carregada. As aulas de música que eu nunca tive maturidade para terminar. A voz do Silvio Santos invadindo a casa. Todos os domingos, religiosamente: frango assado, com batatas e macarronada. As lições de crochê. Os sapatinhos de bebê de tricô, que eram sempre para o filho de alguém. A jogatina semanal, que era de lei, porque ninguém é de ferro. O gatinho que te adotou e você me deixou batizar de Sushi.
As histórias que ouvi incontáveis vezes: que seu pai era um artista, que seu primeiro namorado foi um maestro, que você fez um zilhão de docinhos para o casamento da minha mãe, mas o vovô não quis fazer festa. A descoberta da internet, com direito a comentários embaraçosos nas minhas postagens. A sua preocupação comigo em estar sozinha em uma cidade tão grande, ou de eu estar sozinha e ponto.
Você partiu vovó e eu fiquei tentando lembrar dessas coisas todas, na tentativa de te trazer de volta. Eu sei que estava difícil, que a vida já não tinha o mesmo sabor, que a saudade era demais de quem já se foi, mas nem assim sua ausência fica mais fácil de aceitar.
Quisera eu voltar no tempo e aproveitar mais o nosso último abraço. Lembro que a gente chorou, e eu por isso depois de muito tempo, tive vontade de ficar. Sei que se eu tivesse ficado não teria mudado o que aconteceu com você, nem diminuido sua dor, mas eu queria que você soubesse, que eu quis muito ficar.
Dorme vovó querida. Descansa, que ao acordar estarão te esperando felizes ai do lado de lá.